Por que Bush quer atacar o Irã
Mário Maestri
Em 24 de junho de 2005, quando as tropas anglo-estadunidenses se encontravam já empantanadas no Iraque, os estrategistas imperialistas assistiram impotentes à maciça vitória do integralista islâmico Mahmoud Ahmadinejad, no segundo turno das eleições iranianas, sobre Hashemi Rafsanjani, reformista moderado, candidato das classes médias enriquecidas, dos segmentos capitalistas e do imperialismo.
A vitória do antigo guarda revolucionário deveu-se ao rechaço dos explorados à reconversão neoliberal do Irã, empreendida nas duas décadas anteriores. Expressou, igualmente, a consciência de que o terror imperialista não apenas podia ser, como estava sendo derrotado no Iraque. Interrompia-se, assim, a recuperação interna de nação que já vivera longamente sob o tacão imperialista.
Entronizada em 1925, a dinastia Pahlevi ocidentalizou superficialmente o Irã, congelou sua estrutura agrária feudal, aceitou o jugo britânico. Em 1951, sob o influxo do nacionalismo árabe, o primeiro-ministro Mohammed Mossadegh nacionalizou a Anglo-Iranian Oil Company, sendo deposto, em 1953, por golpe da CIA, que reprivatizou a exploração do petróleo. Então, por longas décadas, o xá Reza Pahlevi submeteu os iranianos a despótico regime pró-imperialista.
Em 1979, insurreição popular de inspiração xiita depôs a dinastia Pahlevi. O islamismo nivelador expressou a confusa percepção, pelos oprimidos, da exploração imperialista como resultado do abandono, pelas elites ocidentalizadas, do mítico solidarismo islâmico. Para esgotar o impulso revolucionário, os EUA incentivaram a longa agressão do Irã pelo Iraque de Saddam Hussein, que ceifou um milhão de vidas.
Restauração neoliberal
Em 1989, três anos após a morte do aiatolá Khomeini, quando da vitória da contra-revolução neoliberal mundial, o novo presidente do Irã, o moderado Hashemi, iniciou reversão do impulso revolucionário, através de privatizações, liberalização da economia, restrição dos direitos sociais etc. Eleito em 1997 e 2001, o pragmático Mohammad Khamenei prosseguiu o movimento, apoiado pelo clero islâmico, que manteve zelosamente o controle da vida política nacional.
Vinte anos de liberalização fortaleceram a classe dominante que vampirizou gulosa os recursos petrolíferos, enquanto a população empobrecida era vergada pelo desemprego, privatizações e desassistência. Hoje, 40% dos 70 milhões de iranianos vivem na pobreza, sobretudo nas grandes cidades, onde proliferam hotéis, restaurantes, comércios e moradias de alto luxo.
Durante a campanha eleitoral, Ahmadinejad atacou as privatizações, a liberalização e a internacionalização da economia. Comprometeu-se igualmente com o domínio do ciclo completo de enriquecimento de urânio, que permite a produção de combustível para usinas nucleares e a fabricação da arma atômica. Ahmadinejad necessita do apoio popular para contrabalançar o controle de parte do Estado, do governo e do exército pelo alto clero islâmico.
Alardeando novamente o “perigo das armas de destruição em massa”, a administração Bush passou a defender ataque militar, mesmo na difícil situação em que se encontra, caso o governo iraniano não se submeta às suas determinações, abandonando o enriquecimento de urânio, colaborando na repressão da resistência iraquiana, interrompendo o apoio ao Hamas na Palestina e ao Hezbollah no Líbano e liberalizando a economia.
Petróleo como arma
Os Estados Unidos consomem 25% da produção mundial do petróleo, produzindo apenas 50% de suas necessidades. O imperialismo estadunidense aposta econômica e estrategicamente no controle mundial das reservas do petróleo. As grandes companhias petrolíferas anglo-estadunidenses já dominam, direta ou indiretamente, as reservas do Iraque, Arábia Saudita, emirados médio-orientais etc.
No contexto da inevitável retirada anglo-estadunidense do Iraque, a emergência de um Irã enriquecido pelo petróleo, imune à chantagem militar imperialista, devido ao domínio da arma atômica, com influência sobre a população xiita iraquiana, desorganizaria o controle das reservas petrolíferas da região e fortaleceria a luta pela nacionalização dos recursos naturais através do mundo.
A administração Bush passou a defender o ataque militar como “última medida”, nascida da ameaça à segurança internacional posta pela “injustificada” “ambição nuclear” iraniana, que planejaria nada menos do que o controle do Oriente Médio, a destruição de Israel, a agressão atômica aos EUA!
A administração Bush obteve o apoio dos governos da Inglaterra, França e Alemanha, representantes de interesses dedicados à exploração predatória do petróleo mundial. O presidente Chirac chegou ao despropósito de sugerir uso preventivo do armamento atômico francês contra o Irã. Em macabro ato falho, Angela Merkel, representante da direita alemã, acusou raivosamente o Irã de pretender destruir Israel.
Nascidos para odiar
A Rússia e a China apóiam a pressão, mas se opõem a sanções contra o Irã, com o qual mantêm importantes laços econômicos. Negam-se sobretudo ao enquadramento do país no Capítulo Sete da carta da ONU, que permite o uso da força contra nação que ameace a segurança mundial. A China compreende que o controle do petróleo faz parte da estratégia estadunidense de frear sua expansão econômica.
A demonização midiática conquistou facilmente o consenso da manipulável e conservadora população estadunidense para operação cirúrgica contra as instalações nucleares iranianas. Em vista de eventual agressão ao Irã, o orçamento militar dos EUA para 2006 foi elevado para 560 bilhões de dólares, valor superior a toda a produção do Brasil nesse ano.
A Agência Internacional de Energia Atômica tem sido palco privilegiado da ofensiva anti-Irã. Associação de nações signatárias do compromisso do uso pacífico da energia nuclear, a AIEA constitui ferramenta de consolidação do monopólio atômico pelos USA, França, Inglaterra, China, Rússia, Paquistão, Índia, Coréia do Norte e Israel. Os países atômicos que pertencem à Agência não sofrem vistoria. A AIEA é administrada por 35 representantes dos 139 países membros, entre os quais se encontra o Irã.
Sob a pressão da vitória inicial da invasão ao Iraque, o Irã interrompeu o enriquecimento de urânio em outubro de 2003, retomando aquela atividade em janeiro de 2006, quando as tropas anglo-estadunidenses patinavam diante da resistência iraquiana. Mesmo consciente de que a arma atômica é a única ferramenta capaz de dissuadir agressão imperialista, o Irã reafirma seu interesse apenas civil na energia nuclear, aceitando qualquer inspeção internacional.
Nós temos tacape!
A AIEA não proíbe o enriquecimento de urânio, já que constitui o combustível das centrais nucleares existentes através do mundo. Sob pressão estadunidense, 27 membros do seu Conselho de Governador votaram pela apresentação do Irã ao Conselho de Segurança da ONU. Cuba, Venezuela e Síria opuseram-se à resolução; Argélia, Líbia, África do Sul e República de Belarus [antiga Rússia Branca] abstiveram-se. O governo de Lula da Silva votou contra o Irã, servilmente interessado na aprovação norte-americana do enriquecimento de urânio que realiza na fábrica de Resende, no Rio de Janeiro, resquício do projeto abandonado de dotar o país com a arma atômica. O Brasil é uma das poucas nações continentais desprovidas de tal arma.
Não há qualquer veracidade na retórica imperialista. Os especialistas estimam que o Irã necessitaria, no melhor dos casos, três anos para produzir uma bomba que teria apenas função tática e defensiva, considerando-se a avassaladora superioridade nuclear dos EUA e de Israel.
Mesmo a agressão exclusivamente aérea ao Irã é aventura arriscada. Os EUA almejam ataque que prostre por décadas o país e entronizem governo pró-ocidental. Mas temem comprometer o fornecimento de petróleo e despertar dura mobilização contra as forças pró-imperialistas iranianas. O previsto bombardeio de saturação, com bombas e foguetes de grande precisão e impacto, pode exigir semanas para uma real destruição das talvez cem instalações relacionadas com o nuclear, espalhadas pelo país, em áreas urbanas, soterradas sob bunkers e em cavernas.
O ataque pode motivar pesadas perdas. As estratégicas instalações nucleares de Natanz e Isfahan encontram-se defendidas por poucos, mas modernos, sistemas antiaéreos russos – Thor M-1 e S-300. Como a bomba anti-bunker BLU 109 mostrou-se pouco performativa, discute-se o uso de armas atômicas táticas, ou o mais factível e mais arriscado recurso a tropas aéreo-transportadas.
Caixa de Pandora
É difícil prever a resposta do Irã, que acaba de anunciar a produção nacional de poderosos torpedos e foguetes táticos, o que sugere eventual revide militar no estreito de Ormuz, por onde se escoa a produção petrolífera regional, e bombardeio de centros militares e instalações petrolíferas no Iraque. As tropas de ocupação mantêm-se no Iraque devido à entrega de parte do poder civil e militar a facções pró-iranianas. Muqtada al-Sadr anunciou a retomada da resistência, caso o Irã seja agredido. A resistência sunita e xiita reuniria mais de 150 mil combatentes e desorganizaria o Estado iraquiano. Agressão de mais de algumas horas pode ensejar resposta imprevisível da população mundial.
Em 21 de maio, a secretária de Estado Condoleezza Rice declarou que o governo dos EUA não oferecerá garantias de não-agressão, mesmo que o Irã abandone o enriquecimento de urânio, como propuseram os aliados europeus, aumentando o perigo de um próximo ataque. A administração Bush não dispõe de longo prazo para organizar a agressão, que teria como melhor data os meses de setembro e outubro, já que o ataque galvanizaria o sentimento patriótico-imperialista estadunidense, salvando os republicanos da esperada derrota nas eleições de novembro e o final da administração Bush.
Uma derrota iraniana liberaria o imperialismo para ofensiva neocolonial em outras regiões do mundo, com destaque para a Venezuela e a Bolívia, na América Latina. O avanço da luta antiimperialista nessas distantes regiões incentivará igualmente o controle pela população brasileira dos destinos do nosso país. Também o destino do Irã e de sua população encontra-se bem aqui, encravado no coração do Brasil.
http://www.correiocidadania.com.br/ed501/int1.htm
Mário Maestri é historiador. E-mail: maestri@via-rs.net